quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Sem filtros para confiar e celebrar!

Quando penso em lucidez e fantasia, nosso tema da semana, me lembro de uma experiência que tive e que foi muito diferente. Na minha busca por auto conhecimento já fiz de tudo. Certa vez fui parar num curso, vivência, workshop ou seja lá o nome que se dá aquilo, lá em Florianópolis. Foi uma semana fora do mundo real, com um grupo isolado, numa pousada bem maluca. Nunca sabíamos qual seria o próximo passo. 

Num dos dias, logo cedo, fomos informados que deveríamos passar as primeiras 6 horas do dia usando um óculos de lentes pretas. Não poderíamos tira-los por nada e não importava se estávamos dentro ou fora da pousada. No início ficamos super animados porque, pela primeira vez depois de dias, poderíamos quebrar o voto de silêncio e conversar entre si. Depois de alguns minutos de empolgação fomos pegos por um certo mau humor. A maioria das pessoas do grupo, eu inclusive, começamos a nos tornar ácidos, discutíamos por qualquer coisa. Fechou o pau. Em menos de duas horas, o silêncio voltou a reinar e agora não mais porque éramos obrigados e sim, porque não tínhamos disposição para interagirmos.


Depois das 6 longas horas descobrimos que trocaríamos os óculos escuros por óculos cor de rosa. De novo a novidade entusiasmou o grupo, pois a grande maioria, nunca tinha experimentado ver o mundo, literalmente, de lentes rosas. Também não foi preciso mais do que alguns minutos para tudo tornar-se chato novamente. Como já tínhamos entendido a “brincadeira” começamos a forçar uma certa “meiguice” além da conta uns com os outros. Aquela doçura toda foi ficando tão pegajosa e chata que, novamente, em menos de duas horas estávamos todos no mais absoluto silêncio. 

Finalmente, ao cair da tarde, pudemos voltar a enxergar o mundo com nossos próprios olhos. Foi espantoso. Ninguém forçou empolgação. Estávamos tão admirados com as cores da natureza, a beleza de um entardecer de inverno com sol, naquela magia que a ilha realmente tem que mais uma vez o silêncio foi o companheiro de cada um de nós. Porém agora o sentimento era de cada um e não coletivo. Tudo se transformou em contemplação e reflexão. 

Sempre penso neste exercício. Para mim, o mundo sem filtro é o mundo do equilíbrio entre a lucidez e a fantasia. Era onde deveríamos estar diariamente, mas como humanos que somos, é impossível não deixar se abater por filtros que passam por nós no dia a dia e nas fases da vida.  

Um dia contei esta história para um amigo que depois me deu de presente um óculos de lentes cor de rosa. Dias atrás encontrei este óculos numa das minhas gavetas de trabalho e descobri que a lente de um dos lados havia quebrado. Coloquei os óculos por brincadeira e experimentei uma nova sensação: ver sem filtro e cor de rosa ao mesmo tempo. Foi muito simbólico, mas ainda não sei o que isso quer dizer.

Ah...o nome do tal curso de Floripa era Confiando e Celebrando. Eu adoro o nome. Acho que foi por isso que decidi embarcar nele. Confesso que foi mais meu lado fantasia do que meu lado lucidez que determinou este passo. E foi bom.


terça-feira, 26 de novembro de 2013

Fantasia versus Lucidez, nem um nem outro: ambos

Casinha feita de Lego na Legoland da Dinamarca
Me considero uma pessoa lúcida por considerar que costumo enxergar além do que a maioria consegue. Talvez seja uma faculdade desenvolvida pela minha profissão de pesquisadora ou talvez me dê bem na minha profissão por conta dessa característica. O que importa é que viver a vida com lucidez me trouxe compreensão sobre as idiossincrasias humanas que facilita minhas análises no meu trabalho e só grata a ela por isso.

Mas a lucidez não me trouxe só coisas boas. Um dos limites da lucidez que eu atravessei algumas vezes é a acidez. Quando vemos tudo de forma clara sem disfarces tomamos consciência da capacidade humana de ativar os sentimentos mais podres. E muitas vezes são pessoas bem próximas. E muitas vezes somos nós mesmos. E a lucidez faz com que você tenha consciência disso. Essa consciência faz você perder um pouco o encanto e a ilusão da natureza humana. Em nome da lucidez se é agressivo, duro. Ácido.

Quando cruzo com pessoas assim, hoje as compreendo, porque já vivi isso. Mais do que maldade, como os ingênuos costumam classificar, muitas vezes há o desejo de trazer à luz algo que cremos que os outros não estão enxergando. Há uma  necessidade de destampar o que está oculto. Aliás as coisas ocultas angustiam aos lúcidos.

Mas ai a vida te traz surpresas e não é que a fantasia entra na tua vida? A fantasia é a morte para o lúcido mas quando ela vem junto com o amor, ela te enternece, te adoça, te faz ver também o lado rico, maravilhoso e lindo do ser humano. Ela faz você acreditar que é possível. Ela dilui o acido e faz você acolher a dor e raiva daquele que enxerga tudo.

A fantasia, e não a ilusão, permite você lucidamente, acreditar na metade do copo cheio e não apostar no vazio.

Tudo bem, você lucido pode não gostar da Disney, mas quando a fantasia também é permitida na sua vida, você irá adorar ver o rosto deslumbrado das crianças ao ver seus personagens em carne e osso. Ver o encantamento da vida-feliz-possível tomando conta da alma dessa criança e perceber o quanto isso é capaz de acalenta-la. Fato que no futuro poderá ajudá-la a se restabelecer e encarar a vida com maior amorosidade.

Hoje tenho consciência que lucidez e fantasia podem conviver dentro de nós. Que a acidez e a ilusão, extremos de cada um deles, podem ser excluídos. E que ambos, na nossa vida, nos torna uma pessoa mais consciente, e para mim, portanto, mais feliz.

Dando continuidade às reflexões que o filme Ferrugem e Ossos me trouxe a semana passada, vamos falar sobre ilusão versus fantasia e lucidez versus acidez esta semana. 

Boa semana para todos. 

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Existe como treinar a confiança?

Uma prática que se tornou comum nos grandes edifícios empresariais, a partir dos atentados de 2001, foi o exercício/treinamento de combate de incêndio. Funciona assim: você está numa torre de 30 andares, trabalhando, num dia normal e de repente, começa a soar uma sirene e no auto falante uma voz calma e suave anuncia que todos devem deixar o prédio pela escada de incêndio, pois está acontecendo uma situação de emergência no prédio. Dentre os funcionários de cada corporação, existem os brigadistas - almas caridosas que aceitam, voluntariamente, ser treinados por bombeiros civis para ajudar os colegas em situações de emergência. Na hora que se inicia o exercício, eles colocam um boné e um colete vermelho e saem pela empresa avisando os demais funcionários que eles devem deixar o que estão fazendo e caminhar calmamente em direção às saídas de emergência. Aí você tenta entrar na escada de incêndio e demora aproximadamente uns 10 minutos para conseguir fazer parte do fluxo de pessoas que estão descendo. Poderia se chamar de tráfego lento ou parado nas escadarias do arranha-céu. 

Quando você finalmente chega lá embaixo, suas pernas estão bambas – não porque você está apreensivo com o incêndio – mas sim porque descer 17 andares (no meu caso) de salto, bolsa e laptop não é exatamente tarefa fácil. Aí os brigadistas  que estão no térreo ficam orientando a todos que deixem a recepção. Lá foram, amontoados pelos jardins e cafés ao redor da Berrini, fica um mar de executivos que foram obrigados a dar uma pausa no seu dia de trabalho. 

Fico sempre me perguntando o que aconteceria no caso daquela situação ser verdadeira. Primeiro me passa pela cabeça que ninguém acreditaria, afinal, quando a moça do auto falante começasse a falar, você pensaria que é mais um exercício. Uma outra coisa que penso é sobre a calma. O mar de pessoas descendo (tenho vontade de usar a expressão manada, mas é feio, né?) durante os exercícios tem aquele tom de brincadeira típica de como o brasileiro encara a vida. Um faz piadinha, o outro comenta e de repente você acaba fazendo mais umas duas ou três amizades de elevador (no caso, de escada). Numa situação real, imagino que seria um tal de um passando por cima do outro, gente se jogando no vão das escadas, mulheres elegantes abandonando seus louboutin pelo caminho. Aquela malinha de executivo com rodinhas que levam os laptops e as bolsas, acredito eu, nem seriam cogitadas de se levar para baixo.




Mas porque estou falando disso? Primeiro porque aconteceu comigo ontem: desci os 17 andares pensando, entre outras coisas, que a parada inesperada no dia ia me atrasar a vida, incluindo o texto para o blog. Como já participei desse exercício inúmeras vezes, resolvi ocupar a cabeça enquanto descia para adiantar algumas coisas e foi quando me toquei que ali estava uma boa comparação com o tema proposto hoje: confiança. 

Quando falamos num mundo cada vez mais efêmero, rápido, sem profundidade, mais falamos em valores que fortalecem os nossos laços emocionais, uma vez que é tudo que nos resta. E, sem dúvida, a confiança passa a ter um valor ainda mais significativo. Ouvimos falar que está cada vez mais difícil confiar nas pessoas, nas empresas, nos governos, nas instituições. Foi aí que me veio o paralelo com o exercício que estava fazendo: aquilo é feito por obrigação. A empresa paga uma multa se algum funcionário se recusar a descer. E nós vamos por isso. Mas,de fato, não temos ideia do que aconteceria se aquela fosse uma situação real. Foi aí que entendi algo que a Nany me disse esta semana: a confiança, como amor, é para ser dada e não recebida. Pois é.

Falamos tanto em não se poder confiar ou em não ser confiável que não paramos para pensar que tudo que podemos fazer é confiar (ou não) em uma situação ou pessoa. Mas isso nada tem a ver com a reação do outro ao nosso ato de confiança. Ele não será mais honesto ou mais correto porque estamos dando nossa confiança a ele. Sei que causa estranhamento, mas pense em fluidez. Pense em entrega. É um jeito novo de encarar e, principalmente, de agir. 

Talvez as relações fossem mais sólidas apesar do mundo em que vivemos se estivéssemos mais receptíveis a confiar, independente da reação outro. E talvez eu e meus amigos do centro empresarial fizéssemos o exercício acreditando que ele vale para alguma coisa e não apenas porque, é óbvio, não queremos ser responsáveis pela multa que a empresa vai ter que pagar se não fizermos.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Amores intensamente virtuais

Quando falamos em sociedade líquida, conforme o texto de ontem aqui no blog, a primeira coisa que me vem são os relacionamentos construídos a partir de bases virtuais. Pessoas que nunca se viram, de repente se tornam namorados, transam via webcam e conseguem até discutir a relação sem nunca terem se tocado. Tenho uma conhecida que passou mais de 2 anos num relacionamento assim para, só depois, conhecer o seu “namorado”. Quando a encontrava, ela sempre comentava isso ou aquilo do rapaz como se ele simplesmente estivesse viajando. A maioria das pessoas que a ouviam e não conheciam a história, jamais imaginariam que ele morava em outro país e que eles nunca haviam se encontrado. Até onde eu sei, eles ainda namoram e se veem uma, no máximo duas, vezes por ano. Fico impressionada, pois um relacionamento, para mim, é feito, entre outras coisas, de uma certa convivência de carne e osso. De olhar nos olhos e da tal química que só a presença é capaz de explorar. 

Por outro lado, tenho uma amiga com uma história bem mais complicada (e triste do que essa). Trata-se de uma mulher com valores muito firmes e princípios bem rígidos. Depois de muitas frustrações com homens, e de muito resistir, decidiu tentar um outro caminho para conhecer pessoas: os sites de relacionamento. Não se passou nem uma semana e ela conheceu um cara de uma outra cidade. Começaram a conversar, partiram para o bate-papo em redes sociais e em poucos dias estavam se falando por telefone. Sentindo-se completamente invadida por um sentimento novo, ela não agiu com a razão, como costumava fazer, e assim, pegou um avião e partiu em direção a cidade do moço. Conheceram-se, apaixonaram-se, enlouqueceram em apenas uma noite. Ela acreditou plenamente que havia encontrado o homem da sua vida. Ela queria isso, ela desejava, ela precisava desse amor. O próximo encontro já estava marcado quando o rapaz surtou. Não veio ao encontro e ainda começou a fazer ofensas horríveis a ela . Minha amiga adoeceu, elouqueceu, ficou sem chão. Tivemos que confortá-la. Tudo aconteceu tão rapidamente (em menos de 15 dias ela tinha o homem da sua vida e o ser humano que a fez passar pela maior humilhação da sua vida).

Quando ela me chamou pedindo socorro eu simplesmente não sabia nem que ela havia conhecido alguém e a história que ela me contou parecia história e ficção. Questionei, com delicadeza, se tudo não tinha acontecido muito rápido para ela estar tão abalada. Mas ela estava fora de si, sofrendo, magoada e ainda assim, desesperada para ter o rapaz de volta. Ela tinha o coração cheio de esperança que o moço voltasse a ser o da noite em que passaram juntos. Não deu tempo para se conhecer, amadurecer uma paixão, no entanto, na cabeça dela, era um relacionamento solidificado. Assustador! 

Veja...estou falando de uma pessoa com valores muito sólidos, uma pessoa séria e profunda. Uma mulher que gosta das coisas, digamos, "a moda antiga": um encontro, um carinho, um beijo e aí para frente, até chegar a um relacionamento de fato. E de repente, essa pessoa, tão tradicional, havia vivido algo tão intenso e completamente fora dos seus padrões. Algo deste novo mundo que já não dá tempo para as coisas amadurecerem. 

No conceito de Zygmunt Bauman:  

"Os tempos são “líquidos” porque tudo muda tão rapidamente. Nada é feito para durar, para ser “sólido”. Disso resultariam, entre outras questões, a obsessão pelo corpo ideal, o culto às celebridades, o endividamento geral, a paranóia com segurança e até a instabilidade dos relacionamentos amorosos. É um mundo de incertezas. E cada um por si.”

No entanto, o desejo da minha amiga era viver o maior amor da vida dela. A paixão mais intensa que já provou. Sinal que os tempos são líquidos, mas nossos desejos e intenções ainda são feitas de sentimentos, de emoção, de conexão. Temos é que aprender a conviver com esses novos tempos. Com harmonia e equilíbrio para conseguirmos discernir entre o que pode (e até deve) ser passageiro e o que é consistente e verdadeiro para cada um de nós.


terça-feira, 19 de novembro de 2013

Quanto mais líquido nosso mundo, mais laços fortes queremos.

Neste feriado assisti o filme Ferrugens e Ossos. Tenho preferência por filmes europeios, alemães e franceses em particular, mas mesmo acostumada com a linguagem deles, o filme me fez refletir sobre as diferenças do cinema hollywoodiano e o tipicamente francês e sobre como, quando a vida está no limite, a necessidade de laços fortes e consistentes se fazem necessários para sobreviver e seguir adiante.

Vamos para a realidade sob a ótica francesa do diretor Jacques Audiard: os personagens são seres comuns, desajustados, no limite de alguma forma. O personagem masculino, Alain, apresentasse bem mais desajustado socialmente que a personagem feminina, Stephanie, interpretado pela bela Marion Cotillard. Ao contrário dos filmes hollywoodianos, os rostos apresentam-se acabados quando necessários, cabelos dessarumados. Não há falso glamour na vida dos personagens. Poucas falas, longos silêncios, expressões deixam compreender a profundidade dos sentimentos dos personagens. Alain é calado, contido, transgressor da ordem social e, ao mesmo tempo, mantém uma ética de respeito ao estabelecido como regra no relacionamento que mantém com Stephanie, que muito bom moço talvez não conseguisse manter.

Por outro lado, Stephanie sofre um grave acidente, vive a dor e a raiva mas deixa o papel de vítima e vai se recolocando no mundo. Supera seus próprios medos e vai ancorando seu poder mesmo entre os homens que praticam lutas clandestinamente para ganhar apostas. Claro que eles ficam juntos, mas não há frases prontas que possam ser postadas no Facebook como exemplos de pensamento, nem beijos românticos para selar esse amor que repara e acalenta cada um a sua maneira.

Muito diferente dos filmes norteamericanos, que com sua visão de sonho-ideal-possível, os personagens são sempre lindos, arrumados, muitas vezes óbvios nas suas fraquezas e fortalezas, o que contribui com uma fácil identificação do público expectador com os personagens. Num filme de superação norteamericano saímos todos com o sentimento que é possível vencer, inclusive a nós mesmos.  E é esta a maravilha do cinema hollywoodiano: fazer sentir cada um de nós um herói possível no cotidiano. Gosto de positivismo americano que torna tudo mais leve, tudo possível e com isso nos instiga a superar-nos.

Mas, como disse, gosto também da profundidade do cinema europeu. No caso de Ferrugem e Ossos, há uma mensagem subliminar que vai ficando forte na medida que se reflete sobre o filme: independente dos desajustes, a dureza da vida – ou talvez por conta disso - a confiança é necessária no casal. Quando não se crê em mais nada, quando o abandono faz parte do nosso cotidiano, confiar, é uma das poucas formas de sobreviver.

Pois vamos trazer um pouco dessa reflexão para o blog nesta semana: como neste mundo líquido de Bauman, os laços fortes se fazem necessários.


Boa semana!




quinta-feira, 14 de novembro de 2013

É melhor ser objeto de desejo ou de respeito?

Ter 40 anos é ser velho? Ou 50 anos ? Sei que quando a gente é criança e alguém fala que tem 40 anos costumamos achar que trata-se de uma pessoa muito, muito velha. Mas me causa muito estranhamento hoje, que tenho 43, achar uma pessoa de 40 ou 50, velha. Tenho amigos com 60 e não acho que eles sejam velhos. Tem aquela coisa que dizem que a idade está na cabeça, mas não sei... Fazendo o planejamento dos textos da semana, a Nany propôs este tema. Estranhei e retornei o email dela perguntando se ela não tinha digitado por engano 40, 50. Ela me respondeu que não e que é muito comum nas entrevistas que ela faz, as pessoas considerarem velhas quem tem esta idade. Fiquei surpresa, confesso.


O conceito do que é velho é muito relativo
Já falei aqui sobre minha "amigas" velhinhas da missa, que são super modernas ao 60, 70. Já contei também de casais de 60 que estão se reinventando. Portanto saber que algumas pessoas consideram a velhice aos 50 é novidade para mim. Lembrei de um texto maravilhoso do escritor Rubem Alves para a Folha de São Paulo, questionando a expressão "melhor idade". Interessante o desfecho da crônica, em que ele narra uma história que aconteceu quando ele tinha lá os seus 50 e poucos anos. Replico, na íntegra a história narrada por ele:


O que é melhor? Ser respeitado ou ser desejado?
Velhice é quando a gente começa a ser tratado como "objeto de respeito" e não como "objeto de desejo". Mas o que quero não é ser olhado com respeito, mas com desejo...
Aconteceu faz 25 anos, uma tarde, no metrô, vagão cheio, tudo bem, eu me via jovem, pernas fortes, segurei-me num balaústre. Meus olhos começaram a passear pelo rosto dos passageiros -cada rosto é mais misterioso que um universo- até que meus olhos se encontraram com os olhos de uma jovem que me olhava, eles, os seus olhos, sorriam para mim e eu fantasiei que ela me desejava. Ficamos assim por alguns segundos trocando olhares de namorado até que ela, num gesto delicado, se levantou e me ofereceu o seu lugar... Seu gesto me disse sem palavras: "O senhor é velho. Eu o respeito. Eu lhe dou o meu lugar...". Nesse momento percebi que a minha idade era a pior de todas. A melhor idade era a dela, da mocinha que me deu o lugar...
Sugiro um nome diferente para essa idade, que não é ironia, mas poesia: "Pessoas portadoras de crepúsculos no seu olhar...".

Tem mais algo a se dizer depois disso?  

Envelhecer é um processo que se inicia a partir do nascimento de cada um de nós. Resta saber como vamos lidar com os fatos ao longo dos anos. Eu pelo menos por enquanto, gostaria de ser até um pouco mais velha do que sou.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A velha e cansada mãe de 43 anos!

Essa é minha mãe aos 20 e poucos anos. É assim que
eu decidi que ela será para sempre na minha memória!
Hoje é meu aniversário. Interessante falarmos sobre convivência na velhice justo na semana que marca minha passagem do tempo. Meu filho, nas primeiras horas do dia, me desejou parabéns e de forma carinhosamente divertida me disse: “Quarenta e três anos, hein? Está ficando velhinha”. Entrei na brincadeira e respondi com uma frase que minha adora falar: “Sim! Sou sua velha e cansada mãe!” Demos risadas como só duas pessoas em sintonia são capazes de fazer, sabendo ambos, que a brincadeira tem lá um fundinho de verdade.

Quando eu tinha 16 anos meus pais eram um pouco mais velhos do que eu sou hoje. Fazendo as contas rapidamente acredito que minha mãe deveria ter seus 47 anos e meu pai algo em torno de 52, 53 anos. Não lembro de achar que eles eram velhos naquele momento, mas também não lembro de achar que eles eram como eu me sinto hoje. Trata-se de um sentimento estranho este de ser filha e mãe ao mesmo tempo. Pensar nisso me fez refletir: quando é que percebemos que nossos pais, de fato, envelheceram e como reagimos a isso? A constatação de que meus pais ficaram velhos, para mim (e acredito que para meus irmão também) aconteceu não faz nem 5 anos. Foi quando meu pai teve uma queda bem séria, que gerou uma série de consequências deixando-o bastante debilitado. Já minha mãe é outra história: ela tem uma saúde de ferro, mas sua cabeça está cada vez mais nebulosa. Não vou negar que o primeiro impacto ao estar de frente com o fato de que seus pais agora têm limitações é muito chocante. Gera insegurança, medo, vontade de não ter que lidar com isso. Depois vem a fase da impaciência, da incompreensão de que eles não são mais capazes de fazer uma série de coisas físicas e mentais que até então era comuns para eles. Por fim, no nosso caso pelo menos, entramos na fase de tentarmos ser o mais amorosos possível com eles. Sabemos que nosso tempo com eles nesta vida, está cada dia que passa menor e estar ao lado deles é uma bênção que muita gente gostaria de ter. Mas não é fácil. Existe um eterno mal-estar, um reflexo do que seremos. No caso da minha mãe então, a semelhança física é quase um tapa na cara.

Lembrei de um livro que li tempos atrás e fiquei chocada com a semelhança entre a história da minha família e das personagens da história. O livro chama-se Por favor, Cuide Bem da Mamãe e foi escrito pela sul-coreana Kyung-Sook Shin. A história fala de todo processo de lamento, culpa, remorso e luto dos filhos a partir do sumiço da mãe, que desapareceu ao ir visitar os filhos sempre muito ocupados e que moram em Seul.  Toda narrativa mostra os personagens (todos irmãos) apontando falhas em suas relações com a desaparecida e revelando segredos impensáveis. Este livro me trouxe uma nova forma de lidar com o momento de fragilidade dos meus pais velhinhos. Afinal esta é a última oportunidade que teremos, nesta vida, de limparmos tudo aquilo que não importa e vivermos apenas o nosso amor. As limitações físicas (e mesmo mentais, intelectuais) são bem menos importantes para nos apegarmos a isso.
No início do livro a autora coloca uma frase que é muito tocante para quem vive este processo de acomodar o coração diante da velhice dos nossos parentes. Diz assim: 
Ame, enquanto puder amar - Franz Liszt.
É o que me propus a fazer. As limitações da velhice que tanto me chocaram num primeiro momento, a partir deste ponto de vista, passou a não ter nenhuma importância.