Outro
dia estava contando a história de uma fatalidade que aconteceu em nossa família para o meu filho. Conforme ele me
perguntava coisas e eu respondia (ou tentava) percebi o quanto esta história envolvia as questões de isonomia e poder que temos falado por aqui.
Trata-se de uma história de
amor, não necessariamente com final feliz, mas com o final que foi possível
para os envolvidos. Era um casal jovem, bonito, com um grande futuro pela
frente. Ele, muito inteligente, era um jovem PHD que já havia morado em
diversos lugares do mundo e que adorava estudar. Ela era linda. Tinha os cabelos
compridos até a cintura, bem lisos. Era artista. Era bastante vaidosa também. O marido era mais
tranquilo quanto a isso, mas orgulhoso pela mulher que tinha. A vida dos dois
era boa. Ainda não tinham filhos, então aproveitavam o melhor que o conforto
material poderia proporcionar.
As coisas mudaram no dia que um aneurisma fez a moça
chegar ao hospital quase sem vida. A primeira providência foi raspar os longos
cabelos dela, afinal, era preciso abrir a cabeça para que os médicos pudessem
salva-la. Ela se recuperou fisicamente, mas teve sequelas que foram difíceis
aceitar. Apesar das dificuldades motoras tenho cá para mim que o pior impacto
para ela foram os cabelos. Ela odiava aquele novo visual e isso a deixava muito
raivosa. O marido foi muito bacana. Como engenheiro mecânico rodou o mundo em
busca de soluções que trouxessem conforto a ela e ao seu dia a dia. Para ele,
passado o susto, a vida seguia seu rumo e tinha orgulho muito mais orgulho da
mulher agora. Fez o que pode para seguir em frente e estava disposto a qualquer
mudança para que tudo ficasse bem. Aquilo para ele era só mais um aprendizado.
Para ela as coisas não eram assim. Ela se sentia inferior, obrigada a depender
dele e quanto mais ele tentava faze-la independente mais ela achava que ele a
insultava. Se separaram depois de todas as tentativas dele em continuarem
juntos. Ela voltou para a casa dos pais onde se sentir subjugada pela sua
condição, doía menos. Ele sofreu tudo que tinha para sofrer e seguiu em frente.
Aí
você vai me perguntar: o que isso tem a ver com o tema da semana? Vejo nesta
história um exemplo de como as coisas podem não funcionar se não aceitarmos os
nossos próprios desafios e o dos outros. A revolta da moça pela sua condição e
o fato de perder todos os seus símbolos de vaidade e de poder a fizeram refém
da situação. Nem o amor do marido que tanto fez pela aceitação foi suficiente.
Esta história aconteceu há quase 20
anos, mas ainda me emociono ao perceber como é difícil para nós, humanos,
deixarmos nossa soberba de lado e viver o essencial. E para um relacionamento
saudável este exercício é fundamental.
Até rimou. Como se fosse poesia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário