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terça-feira, 26 de novembro de 2013

Fantasia versus Lucidez, nem um nem outro: ambos

Casinha feita de Lego na Legoland da Dinamarca
Me considero uma pessoa lúcida por considerar que costumo enxergar além do que a maioria consegue. Talvez seja uma faculdade desenvolvida pela minha profissão de pesquisadora ou talvez me dê bem na minha profissão por conta dessa característica. O que importa é que viver a vida com lucidez me trouxe compreensão sobre as idiossincrasias humanas que facilita minhas análises no meu trabalho e só grata a ela por isso.

Mas a lucidez não me trouxe só coisas boas. Um dos limites da lucidez que eu atravessei algumas vezes é a acidez. Quando vemos tudo de forma clara sem disfarces tomamos consciência da capacidade humana de ativar os sentimentos mais podres. E muitas vezes são pessoas bem próximas. E muitas vezes somos nós mesmos. E a lucidez faz com que você tenha consciência disso. Essa consciência faz você perder um pouco o encanto e a ilusão da natureza humana. Em nome da lucidez se é agressivo, duro. Ácido.

Quando cruzo com pessoas assim, hoje as compreendo, porque já vivi isso. Mais do que maldade, como os ingênuos costumam classificar, muitas vezes há o desejo de trazer à luz algo que cremos que os outros não estão enxergando. Há uma  necessidade de destampar o que está oculto. Aliás as coisas ocultas angustiam aos lúcidos.

Mas ai a vida te traz surpresas e não é que a fantasia entra na tua vida? A fantasia é a morte para o lúcido mas quando ela vem junto com o amor, ela te enternece, te adoça, te faz ver também o lado rico, maravilhoso e lindo do ser humano. Ela faz você acreditar que é possível. Ela dilui o acido e faz você acolher a dor e raiva daquele que enxerga tudo.

A fantasia, e não a ilusão, permite você lucidamente, acreditar na metade do copo cheio e não apostar no vazio.

Tudo bem, você lucido pode não gostar da Disney, mas quando a fantasia também é permitida na sua vida, você irá adorar ver o rosto deslumbrado das crianças ao ver seus personagens em carne e osso. Ver o encantamento da vida-feliz-possível tomando conta da alma dessa criança e perceber o quanto isso é capaz de acalenta-la. Fato que no futuro poderá ajudá-la a se restabelecer e encarar a vida com maior amorosidade.

Hoje tenho consciência que lucidez e fantasia podem conviver dentro de nós. Que a acidez e a ilusão, extremos de cada um deles, podem ser excluídos. E que ambos, na nossa vida, nos torna uma pessoa mais consciente, e para mim, portanto, mais feliz.

Dando continuidade às reflexões que o filme Ferrugem e Ossos me trouxe a semana passada, vamos falar sobre ilusão versus fantasia e lucidez versus acidez esta semana. 

Boa semana para todos. 

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Existe como treinar a confiança?

Uma prática que se tornou comum nos grandes edifícios empresariais, a partir dos atentados de 2001, foi o exercício/treinamento de combate de incêndio. Funciona assim: você está numa torre de 30 andares, trabalhando, num dia normal e de repente, começa a soar uma sirene e no auto falante uma voz calma e suave anuncia que todos devem deixar o prédio pela escada de incêndio, pois está acontecendo uma situação de emergência no prédio. Dentre os funcionários de cada corporação, existem os brigadistas - almas caridosas que aceitam, voluntariamente, ser treinados por bombeiros civis para ajudar os colegas em situações de emergência. Na hora que se inicia o exercício, eles colocam um boné e um colete vermelho e saem pela empresa avisando os demais funcionários que eles devem deixar o que estão fazendo e caminhar calmamente em direção às saídas de emergência. Aí você tenta entrar na escada de incêndio e demora aproximadamente uns 10 minutos para conseguir fazer parte do fluxo de pessoas que estão descendo. Poderia se chamar de tráfego lento ou parado nas escadarias do arranha-céu. 

Quando você finalmente chega lá embaixo, suas pernas estão bambas – não porque você está apreensivo com o incêndio – mas sim porque descer 17 andares (no meu caso) de salto, bolsa e laptop não é exatamente tarefa fácil. Aí os brigadistas  que estão no térreo ficam orientando a todos que deixem a recepção. Lá foram, amontoados pelos jardins e cafés ao redor da Berrini, fica um mar de executivos que foram obrigados a dar uma pausa no seu dia de trabalho. 

Fico sempre me perguntando o que aconteceria no caso daquela situação ser verdadeira. Primeiro me passa pela cabeça que ninguém acreditaria, afinal, quando a moça do auto falante começasse a falar, você pensaria que é mais um exercício. Uma outra coisa que penso é sobre a calma. O mar de pessoas descendo (tenho vontade de usar a expressão manada, mas é feio, né?) durante os exercícios tem aquele tom de brincadeira típica de como o brasileiro encara a vida. Um faz piadinha, o outro comenta e de repente você acaba fazendo mais umas duas ou três amizades de elevador (no caso, de escada). Numa situação real, imagino que seria um tal de um passando por cima do outro, gente se jogando no vão das escadas, mulheres elegantes abandonando seus louboutin pelo caminho. Aquela malinha de executivo com rodinhas que levam os laptops e as bolsas, acredito eu, nem seriam cogitadas de se levar para baixo.




Mas porque estou falando disso? Primeiro porque aconteceu comigo ontem: desci os 17 andares pensando, entre outras coisas, que a parada inesperada no dia ia me atrasar a vida, incluindo o texto para o blog. Como já participei desse exercício inúmeras vezes, resolvi ocupar a cabeça enquanto descia para adiantar algumas coisas e foi quando me toquei que ali estava uma boa comparação com o tema proposto hoje: confiança. 

Quando falamos num mundo cada vez mais efêmero, rápido, sem profundidade, mais falamos em valores que fortalecem os nossos laços emocionais, uma vez que é tudo que nos resta. E, sem dúvida, a confiança passa a ter um valor ainda mais significativo. Ouvimos falar que está cada vez mais difícil confiar nas pessoas, nas empresas, nos governos, nas instituições. Foi aí que me veio o paralelo com o exercício que estava fazendo: aquilo é feito por obrigação. A empresa paga uma multa se algum funcionário se recusar a descer. E nós vamos por isso. Mas,de fato, não temos ideia do que aconteceria se aquela fosse uma situação real. Foi aí que entendi algo que a Nany me disse esta semana: a confiança, como amor, é para ser dada e não recebida. Pois é.

Falamos tanto em não se poder confiar ou em não ser confiável que não paramos para pensar que tudo que podemos fazer é confiar (ou não) em uma situação ou pessoa. Mas isso nada tem a ver com a reação do outro ao nosso ato de confiança. Ele não será mais honesto ou mais correto porque estamos dando nossa confiança a ele. Sei que causa estranhamento, mas pense em fluidez. Pense em entrega. É um jeito novo de encarar e, principalmente, de agir. 

Talvez as relações fossem mais sólidas apesar do mundo em que vivemos se estivéssemos mais receptíveis a confiar, independente da reação outro. E talvez eu e meus amigos do centro empresarial fizéssemos o exercício acreditando que ele vale para alguma coisa e não apenas porque, é óbvio, não queremos ser responsáveis pela multa que a empresa vai ter que pagar se não fizermos.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Amores intensamente virtuais

Quando falamos em sociedade líquida, conforme o texto de ontem aqui no blog, a primeira coisa que me vem são os relacionamentos construídos a partir de bases virtuais. Pessoas que nunca se viram, de repente se tornam namorados, transam via webcam e conseguem até discutir a relação sem nunca terem se tocado. Tenho uma conhecida que passou mais de 2 anos num relacionamento assim para, só depois, conhecer o seu “namorado”. Quando a encontrava, ela sempre comentava isso ou aquilo do rapaz como se ele simplesmente estivesse viajando. A maioria das pessoas que a ouviam e não conheciam a história, jamais imaginariam que ele morava em outro país e que eles nunca haviam se encontrado. Até onde eu sei, eles ainda namoram e se veem uma, no máximo duas, vezes por ano. Fico impressionada, pois um relacionamento, para mim, é feito, entre outras coisas, de uma certa convivência de carne e osso. De olhar nos olhos e da tal química que só a presença é capaz de explorar. 

Por outro lado, tenho uma amiga com uma história bem mais complicada (e triste do que essa). Trata-se de uma mulher com valores muito firmes e princípios bem rígidos. Depois de muitas frustrações com homens, e de muito resistir, decidiu tentar um outro caminho para conhecer pessoas: os sites de relacionamento. Não se passou nem uma semana e ela conheceu um cara de uma outra cidade. Começaram a conversar, partiram para o bate-papo em redes sociais e em poucos dias estavam se falando por telefone. Sentindo-se completamente invadida por um sentimento novo, ela não agiu com a razão, como costumava fazer, e assim, pegou um avião e partiu em direção a cidade do moço. Conheceram-se, apaixonaram-se, enlouqueceram em apenas uma noite. Ela acreditou plenamente que havia encontrado o homem da sua vida. Ela queria isso, ela desejava, ela precisava desse amor. O próximo encontro já estava marcado quando o rapaz surtou. Não veio ao encontro e ainda começou a fazer ofensas horríveis a ela . Minha amiga adoeceu, elouqueceu, ficou sem chão. Tivemos que confortá-la. Tudo aconteceu tão rapidamente (em menos de 15 dias ela tinha o homem da sua vida e o ser humano que a fez passar pela maior humilhação da sua vida).

Quando ela me chamou pedindo socorro eu simplesmente não sabia nem que ela havia conhecido alguém e a história que ela me contou parecia história e ficção. Questionei, com delicadeza, se tudo não tinha acontecido muito rápido para ela estar tão abalada. Mas ela estava fora de si, sofrendo, magoada e ainda assim, desesperada para ter o rapaz de volta. Ela tinha o coração cheio de esperança que o moço voltasse a ser o da noite em que passaram juntos. Não deu tempo para se conhecer, amadurecer uma paixão, no entanto, na cabeça dela, era um relacionamento solidificado. Assustador! 

Veja...estou falando de uma pessoa com valores muito sólidos, uma pessoa séria e profunda. Uma mulher que gosta das coisas, digamos, "a moda antiga": um encontro, um carinho, um beijo e aí para frente, até chegar a um relacionamento de fato. E de repente, essa pessoa, tão tradicional, havia vivido algo tão intenso e completamente fora dos seus padrões. Algo deste novo mundo que já não dá tempo para as coisas amadurecerem. 

No conceito de Zygmunt Bauman:  

"Os tempos são “líquidos” porque tudo muda tão rapidamente. Nada é feito para durar, para ser “sólido”. Disso resultariam, entre outras questões, a obsessão pelo corpo ideal, o culto às celebridades, o endividamento geral, a paranóia com segurança e até a instabilidade dos relacionamentos amorosos. É um mundo de incertezas. E cada um por si.”

No entanto, o desejo da minha amiga era viver o maior amor da vida dela. A paixão mais intensa que já provou. Sinal que os tempos são líquidos, mas nossos desejos e intenções ainda são feitas de sentimentos, de emoção, de conexão. Temos é que aprender a conviver com esses novos tempos. Com harmonia e equilíbrio para conseguirmos discernir entre o que pode (e até deve) ser passageiro e o que é consistente e verdadeiro para cada um de nós.